Inspiração



Um bocadinho de mim em palavras soltas, libertas pela digitalização da mente.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Porque não me deixas tu ir? Porque me prendes em ti com amarras fortes que não me prendem. Não, não me prendem!  
Não fiques confuso com o que te disse. As tuas amarras não me prendem, atraem-me. Magnetizam-me. Puxam-me até ti, mesmo quando grito que não te quero. Não há nada mais poderoso do que isso.


Por isso te peço baixinho, em confidência. O segredo entre dois amantes.

Não me queiras mais. Repele-me e permite-me a liberdade. Repudia-me. Sê mais forte do que eu e retira-me de ti. Deixa os meus sonhos e dá-me um sono tranquilo. Sem lembranças demasiado vivas do teu corpo junto do meu, da vibração da tua voz no meu ouvido.

Viaja comigo uma última vez e no meio do paraíso deixa-me fugir de ti. Não me persigas. Não chames o meu nome nem por uma vez. Ama-me uma última vez e abandona-me. Não tenhas medo que me perca.

Peço-te em clemência. Com o desespero de quem se fundiu até não ter contorno.

Preciso de me perder de ti para me encontrar a mim.

A musica abraçava todo o ambiente. Até o ar respondia ao compasso escondido por trás das cortinas de fumo branco. 
A saia leve envolvia-lhe o corpo e ajudava a definir-lhe o contorno do corpo quando ele ameaçava desaparecer, fundindo-se com o que a rodeava. Numa tentativa vã de se agarrar ao mundo físico pediu uma bebida. Olhou em volta tentando concentrar-se e talvez responder a alguns acenos de reconhecimento que pressentia existirem por entre a multidão. Mas, nesse momento já os decibéis lhe afloravam a pele provocando um arrepio continuo que se estendeu até ela obedecer ao seu instinto mais primitivo, abandonar os saltos altos e sentir o batimento cardíaco acompanhar a letra da canção. O corpo reagiu com a velocidade de quem reconhece a libertação, o limiar do extâse, o encontro de si mesma no meio do barulho de fundo da realidade. Com movimentos suaves, sensuais, naturais e tão instintivos que lhe toldavam todo o pensamento deixou-se ir. Criou um casulo de luz e som só seu e ,apenas ao longe, pressentia o quente dos olhares de quem lhe reconhecia a energia, de quem lhe gabava a loucura, a ligação ao chão que pisava, a permissão de ser mais ela própria. E foi assim até a música esmorecer e o sorriso que lhe adornava o rosto ocupar mais espaço do que todas as almas que por ali tinham passado naquela noite. Foi assim até ela se permitir descer à terra e perceber que, enquanto sentia as gotas de suor percorrer o caminho curvilíneo até ao fundo das suas costas de bailarina, a sua bebida era única ainda meio perdida na mesa , esperando que o divino se ligasse finalmente à terra e lhe cumprisse o propósito.