Inspiração



Um bocadinho de mim em palavras soltas, libertas pela digitalização da mente.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Amo-te assim


Queria gostar de ti devagar, com languidez e deleite, ternura e comedimento. Como nos livros que me ensinaram a ler. Com a condição de “senhora”, ligeira nos seus gestos, morna nas suas entranhas.
Mas a vida não me ensinou a amar assim. Amo-te sofregamente, com uma fome em nada mediana, um desejo absurdo de me fundir em ti, sem palavras pelo meio a atrapalhar o fulgor dos suspiros trocados.
Quebras-me os padrões, as amarras cristalinas e tão bem delineadas daquilo que nos envolve. Levas-me ao limite do absurdamente e irrevogavelmente apaixonada e mesmo assim em ti sou mais livre, mais completa, mais eu. É na posse de te poder gostar sem predefinições que me sinto mais leve, mais aventureira, mais feliz. Com a aceitação deste misto de sentimentos selvagens que me tomam o corpo ao mais leve toque da tua pele deixo-me ir sem medos. És o fogo que preciso para queimar o combustível que me faz mover. Dança intempestiva misturada com passos vagarosos em direção a ti. 

(Com a inspiração de D. Teresa de Távora, deliciosamente descrita pela maravilhosa Sara Rodi)

sábado, 4 de abril de 2015

Ressuscito-te



Hoje acordaste em mim. Irrequieto e barulhento afetaste-me a serenidade da dormência que o meu corpo exige. Quando te tentei afastar, com um abrir de olhos abrupto, puxaste-me novamente e afagaste-me a fronte. Fechei-os devagar e deixei-me ir só um bocadinho.
Vejo-te as rugas à volta da boca e a marca do tempo na testa larga que me lembra a severidade dos nossos dias juntos. Sinto-te o cheiro e abraço-te.

 Agora sou eu que não quero sair.

A realidade aborrece-me. Suspiro zangada e volto-me para o outro lado dos lençóis enrodilhados. Não gostas da distração e começas a fugir. Pegas no teu SG Gigante e no isqueiro com o desenho de uma senhora com demasiado calor e afastas-te. Não me dizes adeus, nem me beijas em despedida. É um até já forçado que perpetuas. Tem sido assim nas últimas semanas. Assaltas-me o sono, ajudas-me a derramar as lágrimas que guardei demasiado fundo e desvaneceste-te nas ruas cheias da minha memória de menina.

Mas hoje não.

Hoje não quero viver sem ti.

Sento-me na cadeira e procuro a luz do processador de texto. Vasculho pastas freneticamente, apalpo ritmos. Vou ouvir-te na voz de outros. Vou ressuscitar-te devagar e dolorosamente. 

Preciso de ti. 

Evoco a tua imagem. Passaram-se apenas uns escassos minutos mas já não te consigo definir tão bem. Escrevo com rapidez, respiro fundo e despojo-me um bocadinho mais do meu verdadeiro ser. Aqui estou eu sem filtros, como tu me preferes. Verdadeira e crua. Exageradamente transparente, homenageando a mulher que me ensinaste a ser.

As letras ganham força, ocupam espaço, enchem-me a alma da calma que preciso para te amar mais um pouco sem tanta distância a separar-nos. No meio das frases, das metáforas, das variações verbais, da falta de sentido que só esta paixão me pode dar tu voltas à vida. E já te voltei a sentir o cheiro, a decorar as rugas, a sentir a cor dessa pele morena que guardaste apenas para mais um afortunado.
Hoje revoltei-me contra a tua morte. O tu não estares aqui para me abraçares de manhã. Hoje revoltei-me contra a tua pausa para o cigarro que nunca tem retorno.

Hoje, no meio da minha escrita, tu ressuscitas e vives em mim.