Hoje acordaste em mim. Irrequieto
e barulhento afetaste-me a serenidade da dormência que o meu corpo exige.
Quando te tentei afastar, com um abrir de olhos abrupto, puxaste-me novamente e
afagaste-me a fronte. Fechei-os devagar e deixei-me ir só um bocadinho.
Vejo-te as rugas à volta da boca e a marca do tempo na testa larga que me lembra a severidade dos nossos dias juntos. Sinto-te o cheiro e abraço-te.
Vejo-te as rugas à volta da boca e a marca do tempo na testa larga que me lembra a severidade dos nossos dias juntos. Sinto-te o cheiro e abraço-te.
Agora sou eu que não quero sair.
A realidade aborrece-me. Suspiro zangada e volto-me para o outro lado dos lençóis enrodilhados. Não gostas da distração e começas a fugir. Pegas no teu SG Gigante e no isqueiro com o desenho de uma senhora com demasiado calor e afastas-te. Não me dizes adeus, nem me beijas em despedida. É um até já forçado que perpetuas. Tem sido assim nas últimas semanas. Assaltas-me o sono, ajudas-me a derramar as lágrimas que guardei demasiado fundo e desvaneceste-te nas ruas cheias da minha memória de menina.
Mas hoje não.
Hoje não quero viver sem ti.
Sento-me na cadeira e procuro a luz do processador de texto. Vasculho pastas freneticamente, apalpo ritmos. Vou ouvir-te na voz de outros. Vou ressuscitar-te devagar e dolorosamente.
Preciso de ti.
Evoco a tua imagem. Passaram-se
apenas uns escassos minutos mas já não te consigo definir tão bem. Escrevo com
rapidez, respiro fundo e despojo-me um bocadinho mais do meu verdadeiro ser.
Aqui estou eu sem filtros, como tu me preferes. Verdadeira e crua. Exageradamente
transparente, homenageando a mulher que me ensinaste a ser.
As letras ganham força, ocupam
espaço, enchem-me a alma da calma que preciso para te amar mais um pouco sem
tanta distância a separar-nos. No meio das frases, das metáforas, das variações
verbais, da falta de sentido que só esta paixão me pode dar tu voltas à vida. E
já te voltei a sentir o cheiro, a decorar as rugas, a sentir a cor dessa pele morena
que guardaste apenas para mais um afortunado.
Hoje revoltei-me contra a tua
morte. O tu não estares aqui para me abraçares de manhã. Hoje revoltei-me
contra a tua pausa para o cigarro que nunca tem retorno.
Hoje, no meio da minha escrita,
tu ressuscitas e vives em mim.
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