Inspiração



Um bocadinho de mim em palavras soltas, libertas pela digitalização da mente.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Excerto "A Sangue Frio"




Corri o mais que pude sem sequer olhar para trás. O vento e a chuva fustigavam-me o rosto mas eu mal os sentia. As lágrimas salgadas misturavam-se com as gotas doces vindas das nuvens mais carregadas do céu, daquele que já fora o nosso céu.
Quando reconheci os edifícios que me rodeavam percebi que me encontrava finalmente longe do perigo que me perseguia. Foi quando o receio de ser encontrada me deixou, que as forças me abandonaram e caí desamparada no chão, deixando que a lama se misturasse com os fios dourados do meu cabelo. Levantei-me a custo até encontrar o degrau de uma escada onde me pudesse abrigar da chuva e chorar a humilhação que me havias feito passar. Sentei-me e juntei os joelhos ao peito, abraçando-os com os meus braços e sentindo-me finalmente segura entre paredes que não conheciam o meu desgosto mas que me escondiam e protegiam. Não sei se passaram horas ou se apenas alguns minutos, pois caí num estado de semi-adormecimento embalado pelo ténue sussurrar do vento. Mas despertei ao ouvir passos que caminhavam na minha direcção. Levantei-me de súbito e espreitei para a rua, com o coração a bater descompassadamente e com o pensamento de que seria o fim de tudo. Lancei um olhar rápido e encarei um sem-abrigo que se assustou tanto quanto eu, e que se apressou a fugir na direcção oposta, olhando por cima do ombro com uma expressão de horror. Eu sabia o que o tinha assustado…
O frio começou a tornar-se cada vez mais intenso e sentia o corpo dorido. Precisava de sair dali e ir para um sitio onde pudesse descansar. Sabia a quem tinha de ligar, mas o telemóvel havia ficado em cima da mesa da entrada e comigo apenas ficara a mala minúscula que levara para o maldito jantar. Tinha que encontrar uma cabine telefónica, mas não fazia ideia onde a encontrar. Deambulei durante horas, até encontrar uma que funcionasse e aí já o sol despontava no horizonte e a cidade começava a agitar-se para começar outro dia frenético. Vi o meu reflexo no vidro da cabine e finalmente percebi a dimensão daquilo que me tinhas feito. O meu olho estava inchado e quase fechado, o meu lábio tinha ainda sangue, já seco, junto ao corte que me ardia quando tocava, tinha o cabelo coberto de lama e a minha cara era um mapa de arranhões.
Sentia-me exausta e só consegui chorar quando Daniela atendeu a chamada. Felizmente reconheceu a minha voz e eu consegui balbuciar o sítio onde me encontrava, “Vou já para aí!” foram as suas palavras. Deixei o corpo escorregar para a calçada e perdi-me na dor que me assaltava. Foi nessa noite que eu senti o ódio sobrepor-se ao amor que eu julgava sentir e aí decidi que tudo iria mudar.
Foi assim que fugi de ti. Desse perigo que eu própria convidei para a minha vida. Pensei na humilhação que me havias feito passar nessa noite, e durante todos os anos em que estivemos juntos e decidi interiormente que nunca mais iria pisar esses caminhos de derrocada, trilhados pela morte lenta. Libertei-me daquela letargia que me fazia permanecer caída naquela calçada e ergui-me, calma e confiante. Quando Daniela chegou, espantou-se pela mudança súbita no meu comportamento. A mulher amedrontada que lhe falara ao telefone não exista mais e eu jurava que ela nunca mais voltaria.

1 comentário:

  1. olá minha amiga :)
    já conhecia o texto, mas não posso deixar de comentar que é muito forte emocionalmente!!

    bom regresso *.*
    beijinho susana

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