Inspiração



Um bocadinho de mim em palavras soltas, libertas pela digitalização da mente.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Já não te quero...

Agora basta-me o silêncio. No meio destas paredes, pintadas pelo vazio de ti é o silêncio a minha melhor companhia.

“Disparate” dirias tu, com a tua voz grossa, às vezes quase gutural. Não conseguias pensar em mim sem movimento e música ao meu redor. Mas agora é assim que estou. Calmamente sentada na quietude de querer estar só, completamente só.

De onde estou, sobre a cama mas fechada em mim mesma, consigo ouvir os sons da manhã. Os cães correm de um lado para o outro, ladram em uníssono e eu sei que esperam a tua resposta. As marcas da correria vão ficar, como sempre, desenhadas na areia fina que cobre a entrada da casa, mas desta vez as tuas pegadas não vão intercalar as deles. Hão-de desistir de esperar, penso enquanto cerro mais os olhos e me recuso a ver o brilho do sol a entrar por entre as cortinas. A manhã és tu. E a ti já não te quero.

Sempre foste madrugador. Nasceste com a manhã e com ela ficaste ate ao fim. Todas as tuas melhores fotografias, aquelas em que carregavas um sorriso, tem como pano de fundo este sol quente do acordar. Brilhante, colorido, abraçado ao moreno da tua pele e ao escuro do teu cabelo. Eras mais tu àquela hora. E eu era mais eu, quando te via a seres tu próprio. A tua aceitação aumentava o meu amor, a minha dedicação, o meu orgulho.

Eram essas as fotografias que criavam nestas paredes – agora vazias – o mapa de nós dois. De nós e daqueles que nos pertenciam.

Sim… só pus essas nesta imensidão de branco. As outras – aquelas em que em vez de um sorriso carregavas o peso do mundo nas costas - escondias bem escondidas. Estão junto dos retalhos da memória onde registei o teu sorriso triste, o descair dos teus ombros, o cansaço dos teus olhos. O teu abandono de mim.
Porquê? Porque o pano de fundo não era a manhã e aquele não eras tu. Não éramos nós.
Agora chega-me a ausência da multidão. Fico só com o fantasma de ti. De mim. De nós como um só. Estás mais perto de mim assim, guardado na minha imaginação, do que na voz dos outros, nos retratos falados de como te recordam. Mas não… não te quero! Vai-te embora!!

Agora basto-me a mim…enquanto espero, me minto, aguardo pacientemente pela próxima manhã. Pela resposta ao chamamento dos cães, pelo sorriso madrugador, por ti.
Mas… não voltes! Não, não voltes!

Na verdade, eu já nem te quero.



4 comentários:

  1. Que bom minha amiga, que voltaste a escrever com mais frequência. Estão lindos e intensos como tu sabes escrever, só tens de continuar..

    E claro, continuo à espera do livro :))
    beijinho grande
    susana silvestre

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  2. Cá estou, desta vez apenas a espreitar! Faz lembrar o "P.I.L" da disciplina de Literatura Portuguesa! Em breve, lerei com atenção. Beijinhos, Maria Manuel

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  3. Tão bonito. Pena não te perceberes.
    Beijos
    João Maria

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  4. Olá João Maria.

    Agradeço que tenhas vindo ler o meu texto, mas não percebi a sua segunda frase - "Pena não te perceberes" - visto que o texto foi criado do ponto de vista de uma personagem ficticia , que por sua vez não tem qualquer ligação ao autor. Homens que escrevem sobre o ponto de vista feminina , objectos inanimados que ganham vida, animais que falam, etc etc etc. Nem todos os escritores escrevem sobre as suas experiências pessoais, pois, felizmente ,existe algo que nos caracteriza é a imaginação fértil.
    Mas isso o João deve saber visto que deve ler livros e saber que o que digo é verdade. :) Obrigada*

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