Não faz mal
estar triste no Natal.
Não faz mal
chorar no Natal.
Não faz mal
estar triste no Natal.
Não faz mal
chorar no Natal.
Repeti isto,
várias vezes, durante o último mês. Em repeat, na minha cabeça, enquanto me movia
ao som da rotina dos dias. Na meia dúzia de anos que me separa de quem me criou
fi-lo quase inconscientemente. Rio e gargalho. Faço palhaçadas e danço até
precisar de trocar os saltos pelas pantufas quentinhas.
Escondo a
lágrima e substituo-a por uma tirada espirituosa. Não se está triste nas
festividades!
É época de
celebração, de agradecimento, de amor. É como uma lei. Principalmente na minha cabeça.
Desorientava-me a possível pena. Coitadinha nunca foi o meu nome do meio. Negação,
o medo de admissão da fraqueza. Vergonha da ferida que fica mais à mostra.
Com a aceitação
e crescimento veio finalmente a verdade: Dói-me mais a ausência dos meus pais
nesta altura do ano!
Ufa! Escrevi-o
alto!
Quando ouvi
estas palavras pela primeira vez soou-me a clichê. A frase feita de quem não
sabe de que é feita a dor e quais as suas arestas. Soa às palavras ensaiadas de
estranhos que se cruzam na nossa vida brevemente e, quando sabem que nos
desapareceram as raízes, nos batem no ombro com condescendência enquanto
sussurram um: “ Nesta altura do Natal é sempre mais difícil, não é?”.
Quando se dá o
choque, a dor inicial, a que nos cega, e que pode vir só anos mais tarde, retardada
e vagarosa mas implacável, rejeitamos esse tipo de comentários com desdém e um encolher
mental de ombros. Sai-nos um trejeito de arrogância, de conhecimento absoluto e
pensamos que eles nada sabem. Vai custar todos os segundos de cada dia. Vou
parecer sufocar a cada instante porque eles não estarem vai doer-me na pele.
Saímos rancorosos de uma conversa que deveria ser embalada em empatia e
amizade. Sai-nos o fel do desplante de nos atirarem com frases feitas.
Mal sabemos
que, no meio de tudo aquilo, está a maior verdade. O tempo passa, a rotina
instala- se e a ferida está lá mas nem sempre aberta. Os amigos fazem-nos rir,
os nossos filhos enchem- nos de amor, a paixão rouba-nos a razão e enche-nos o
peito de esperançosas borboletas. Até que, por apenas breves horas,
esquecemo-nos da perda. Lembramo-nos num impulso ao agarrarmos no telemóvel
para contarmos a tropelia que o Miguel fez e que é tal e qual à que o tio
fazia. Quando olhamos o número que procurámos é que nos apercebemos. E dói-nos
a alma mas gritamos uma frase solta ao coração: ”Que palermice!” e ele
reveste-se da armadura, aquela que tecemos com o esmero de quem espera uma
batalha eterna.
E a dor atenua,
amedronta-se com o aço da nossa racionalização.
Mas em épocas
festivas, em que a família se junta e se fervilha de expectativa de partilha,
aí não há armadura que nos proteja o coração, a alma, o âmago de quem somos, a
criança pequenina que se sente sozinha. E custa-nos o desfazer da festa. O
pensarmos estragar a felicidade dos outros com a tormenta da nossa história.
Escondi-me bem
durante alguns anos mas quando a aceitação, tímida, finalmente chegou o encontro
foi abrupto. Uma consoada passada em casa, longe da maior parte das pessoas que
amo, com cara de bolo de bolacha molhado a café e sem açúcar. Achei que se era
para aceitar que fosse em modo total. Doeu-me mais. Errei no caminho. Era tarde
para voltar atrás a tempo da festa. Perdi-a. Tentei encontrar o caminho certo
este ano.
Estas festas
encontrei finalmente o busílis da questão: Não faz mal estar triste durante o
Natal. A lágrima pode correr quando vejo o meu filho abrir prendas e me lembro
de como seria bom eles conhecerem-no e verem-no crescer. O coração pode ficar
apertado quando vejo aquela prenda que foi feita para o meu pai e que agora não
o posso ver usar. A voz pode tremer quando falo nos Natais passados em
conjunto, em que estávamos todos juntos e nos relembrávamos de que amar é mais
importante do que ter. Os joelhos podem vacilar quando olho para a minha irmã e
vejo o olhar da minha mãe, ou quando ouço a voz do meu irmão do outro lado da
linha e as ondulações das palavras me fazem lembrar o meu pai.
O segredo é
revestirmo-nos de amor e abraçarmos a saudade. Ela vai lá estar sempre.
No Natal dói-me
sempre mais saudades dos meus pais. E está tudo bem.
És a maior! ♡ Mulher da cabeça aos pés!
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