Inspiração



Um bocadinho de mim em palavras soltas, libertas pela digitalização da mente.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Não faz mal estar triste no Natal *




Não faz mal estar triste no Natal.

Não faz mal chorar no Natal. 

Não faz mal estar triste no Natal. 

Não faz mal chorar no Natal. 

Repeti isto, várias vezes, durante o último mês. Em repeat, na minha cabeça, enquanto me movia ao som da rotina dos dias. Na meia dúzia de anos que me separa de quem me criou fi-lo quase inconscientemente. Rio e gargalho. Faço palhaçadas e danço até precisar de trocar os saltos pelas pantufas quentinhas. 
Escondo a lágrima e substituo-a por uma tirada espirituosa. Não se está triste nas festividades! 

É época de celebração, de agradecimento, de amor. É como uma lei. Principalmente na minha cabeça. Desorientava-me a possível pena. Coitadinha nunca foi o meu nome do meio. Negação, o medo de admissão da fraqueza. Vergonha da ferida que fica mais à mostra.
Com a aceitação e crescimento veio finalmente a verdade: Dói-me mais a ausência dos meus pais nesta altura do ano! 

Ufa! Escrevi-o alto! 

Quando ouvi estas palavras pela primeira vez soou-me a clichê. A frase feita de quem não sabe de que é feita a dor e quais as suas arestas. Soa às palavras ensaiadas de estranhos que se cruzam na nossa vida brevemente e, quando sabem que nos desapareceram as raízes, nos batem no ombro com condescendência enquanto sussurram um: “ Nesta altura do Natal é sempre mais difícil, não é?”. 

Quando se dá o choque, a dor inicial, a que nos cega, e que pode vir só anos mais tarde, retardada e vagarosa mas implacável, rejeitamos esse tipo de comentários com desdém e um encolher mental de ombros. Sai-nos um trejeito de arrogância, de conhecimento absoluto e pensamos que eles nada sabem. Vai custar todos os segundos de cada dia. Vou parecer sufocar a cada instante porque eles não estarem vai doer-me na pele. Saímos rancorosos de uma conversa que deveria ser embalada em empatia e amizade. Sai-nos o fel do desplante de nos atirarem com frases feitas. 

Mal sabemos que, no meio de tudo aquilo, está a maior verdade. O tempo passa, a rotina instala- se e a ferida está lá mas nem sempre aberta. Os amigos fazem-nos rir, os nossos filhos enchem- nos de amor, a paixão rouba-nos a razão e enche-nos o peito de esperançosas borboletas. Até que, por apenas breves horas, esquecemo-nos da perda. Lembramo-nos num impulso ao agarrarmos no telemóvel para contarmos a tropelia que o Miguel fez e que é tal e qual à que o tio fazia. Quando olhamos o número que procurámos é que nos apercebemos. E dói-nos a alma mas gritamos uma frase solta ao coração: ”Que palermice!” e ele reveste-se da armadura, aquela que tecemos com o esmero de quem espera uma batalha eterna.

E a dor atenua, amedronta-se com o aço da nossa racionalização. 

Mas em épocas festivas, em que a família se junta e se fervilha de expectativa de partilha, aí não há armadura que nos proteja o coração, a alma, o âmago de quem somos, a criança pequenina que se sente sozinha. E custa-nos o desfazer da festa. O pensarmos estragar a felicidade dos outros com a tormenta da nossa história. 

Escondi-me bem durante alguns anos mas quando a aceitação, tímida, finalmente chegou o encontro foi abrupto. Uma consoada passada em casa, longe da maior parte das pessoas que amo, com cara de bolo de bolacha molhado a café e sem açúcar. Achei que se era para aceitar que fosse em modo total. Doeu-me mais. Errei no caminho. Era tarde para voltar atrás a tempo da festa. Perdi-a. Tentei encontrar o caminho certo este ano. 

Estas festas encontrei finalmente o busílis da questão: Não faz mal estar triste durante o Natal. A lágrima pode correr quando vejo o meu filho abrir prendas e me lembro de como seria bom eles conhecerem-no e verem-no crescer. O coração pode ficar apertado quando vejo aquela prenda que foi feita para o meu pai e que agora não o posso ver usar. A voz pode tremer quando falo nos Natais passados em conjunto, em que estávamos todos juntos e nos relembrávamos de que amar é mais importante do que ter. Os joelhos podem vacilar quando olho para a minha irmã e vejo o olhar da minha mãe, ou quando ouço a voz do meu irmão do outro lado da linha e as ondulações das palavras me fazem lembrar o meu pai.
 O segredo é revestirmo-nos de amor e abraçarmos a saudade. Ela vai lá estar sempre.
No Natal dói-me sempre mais saudades dos meus pais. E está tudo bem.

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